Silêncio no Campus - Capítulo 01

Silêncio no Campus
Capítulo 1 – O Convite
O envelope branco repousava sobre a mesa de Gabriel como se carregasse um destino inevitável. Ele o encarou por longos minutos, antes de rasgar a aba com dedos inquietos. A caligrafia formal, quase burocrática, anunciava:
“Convidamos Vossa Senhoria para ministrar uma palestra no auditório central da Universidade Aurora, no próximo mês. Tema: Liberdade de Expressão no Século XXI.”
Gabriel leu e releu aquelas palavras, sentindo uma mistura de orgulho e pressentimento. Aos 23 anos, era visto por muitos como uma voz promissora do pensamento conservador no país. Já havia participado de debates online, concedido entrevistas em canais independentes e, acima de tudo, ganhara respeito por falar sem medo. Mas um convite daquela magnitude carregava peso.
Ele sabia que a Universidade Aurora era mais do que um campus: era um reduto. Conhecida por sua atmosfera progressista, onde bandeiras coloridas tremulavam ao lado de cartazes de revoluções passadas, o espaço não era exatamente receptivo a jovens como ele. Havia relatos de palestras canceladas, de professores hostilizados por divergirem da cartilha ideológica dominante.
Gabriel apoiou os cotovelos na mesa e respirou fundo.
— Então é isso… — murmurou para si mesmo. — Querem ouvir a outra voz. Ou querem me calar diante de todos.
Naquela noite, ele caminhou pelas ruas do centro, tentando organizar os pensamentos. O reflexo das luzes nos vidros das lojas parecia observá-lo, como olhos invisíveis que julgavam cada passo. Lembrou-se das mensagens que recebera após anunciar, em uma rede social, que aceitaria o convite. Algumas eram de apoio: “Força, você representa muitos de nós!”. Outras vinham carregadas de veneno: “Você não vai sair vivo desse auditório.”
Essas últimas o perseguiam mais do que gostaria. Apesar disso, havia algo em Gabriel que se recusava a recuar. Desde cedo aprendera que calar-se diante da pressão era entregar a alma a quem grita mais alto. O silêncio, pensava, também pode ser uma forma de covardia.
Quando chegou em casa, colocou o envelope sobre a estante, ao lado de uma Bíblia gasta pelo uso, presente de seu pai quando completara dezoito anos. O livro sagrado não era apenas lembrança, mas o alicerce da sua vida. Muitas vezes, antes de palestras ou provas difíceis, ele folheava as páginas e se apegava a versículos de coragem, como quem encontra abrigo em meio à tempestade.
Gabriel olhou fixamente para os dois objetos — o convite e a Bíblia — como se estabelecessem um diálogo silencioso. O convite era o risco. A Palavra, a fé.
Deitou-se tarde, mas o sono não trouxe descanso. Em seus sonhos, o auditório se transformava em uma arena, e cada aplauso se confundia com vaias, até que um som seco e brutal ecoava — interrompendo tudo. Gabriel acordava suando, sempre antes de descobrir o fim.
No calendário da parede, o dia marcado para a palestra se aproximava como uma sombra inevitável.
Continua no capítulo 02
Comentários
Postar um comentário